sei que você nunca vai ler esses textos, sei que você não está me vendo enquanto escrevo, mas nesses 5 meses hoje foi o único dia em que eu de fato quis escrever pra não gritar.
mesmo sabendo de tudo isso, escrevo.
Deus sabe.
Deus ouve.
Deus vê.
desde o último texto que te escrevi, não consegui mais escrever.
me faltam palavras.
me some a criatividade.
sua ausência tirou de mim o prazer pela escrita, por novas ideias, por pensamentos e sentimentos que me remetam a qualquer coisa relacionada à emoção.
mas hoje resolvi tentar.
vamos começar como uma carta onde te conto como as coisas estão indo nesses últimos meses.
tenho tanta coisa pra te contar pai.
hoje eu sou você.
olha que engraçado!
eu sempre quis ser como você, mas nunca imaginei que seria sem você!
hoje eu pago as contas, cuido dos negócios, das pessoas, e sigo.
tem dias que eu não sinto que não te tenho aqui, em outros dias (como hoje) dói tanto aceitar que é real, aí eu desabo.
choro, revejo suas fotos, fecho os olhos e vou visitando as memórias.
como elas são lindas, pai!
que trabalho maravilhoso o senhor fez!
lembro da gente sentados fora da área, sem energia, olhando pro céu e você me contando histórias da sua juventude.
lembro de você indo me buscar na escola quando voltava de viagem, com meu presente embaixo do banco.
lembro da gente indo pra fazenda ouvindo moda de viola, samba e louvor na mesma playlist.
lembro de você arrumando as almofadas embaixo da cama pra eu não cair.
lembro de você me ouvindo recitar os livrinhos que eu decorava.
lembro de você me ouvir contar toda a aula da escola dominical.
lembro da gente planejando a loja, a fazenda, a vida das meninas, tudo.
lembro de você brigando comigo pra tomar remédio, pra ir no médico, pra falar menos, pra não te abraçar e beijar no calor.
lembro de você me ligando e descobrindo pelo meu tom de voz que o dia tinha sido ruim.
lembro de você me esperando no final de semana pra contar seus problemas, medos e angústias.
lembro de você reclamando quando eu queria tirar foto (ainda bem que sou antipática, tenho um acervo lindo!), e rindo depois da minha cara limpa!
lembro das nossas conversas, todas elas.
e sinto tanta saudade pai!
as vezes é muito difícil, mas sei que é possível.
e sigo.
queria te contar pai, to cuidando de tudo, do meu jeito, as vezes me atrapalho, mas to me esforçando pra ser tão boa quanto você.
terminamos a casa da tia.
a gente arrumou a represa.
o ipê floresceu e tá lindo!
arrumamos a sua casa.
coloquei meu portão, pai!
o Marco Túlio já sabe andar, e toda vez que vê sua foto, ele ri!
o Benjamin olha sempre pro céu procurando sua estrelinha.
a gente fala pra ele que a sua é a que mais brilha.
e a gente segue.
outro dia o Marco Túlio adoeceu.
senti tanto sua falta.
você ia saber que remédio dar pra ele, você era nosso melhor médico pai!
engraçado te perder pra uma doença.
eu criei uma playlist com nossas músicas e com outras tantas que me lembram a gente.
ouço quase todo dia.
nem sempre choro, mas sempre te sinto.
sabe pai, eu não choro pra ninguém ver.
faço como você.
eu cuido pra que eles não sintam minha dor.
eu sinto tanto por tudo que não vamos viver.
outro dia eu chorei tanto olhando pro neném e vendo que ele não vai ter seu amor, seu cuidado e toda a sua dedicação.
ninguém no mundo vai fazer por ele o que você faria.
ninguém é você pai!
eu não sou, afinal.
eu lembro de quando descobrimos a doença, você indo pra cirurgia, me passando tudo que era pra fazer.
lembro que 15 dias depois eu fui te ver e você me disse no dia seguinte que ficou nervoso esperando eu chegar pq quando saiu, não sabia se ainda me veria.
lembro da última vez que te vi com vida.
conversei até te deixar cansado.
te fiz rir e brinquei com você.
deitei do seu lado, coloquei suas músicas e fiquei ali quietinha.
chorando, orando e pedindo a Deus que a dor sumisse.
a sua.
a minha.
que engano né pai?
a minha começou quando a sua acabou.
lembro muito de você me dizendo que Deus sabia de tudo, e que você ia levar isso da melhor forma, sem desanimar e com fé.
você lutou tanto pai!
sou tão orgulhosa de como você suportou tudo.
queria te dizer que tá tudo bem pai!
você podia ter dividido a carga a vida toda.
a gente tá se virando bem sem você aqui.
não é a mesma coisa.
mas é como tem que ser.
pai, Deus tem sido bom pra gente.
Ele tem cuidado de nós.
a gente não questionou, mas aceitamos, como você nos ensinou: Ele sempre sabe de tudo e faz como quer.
e eu sigo.
nós seguimos.
quando juntos, te lembramos sorrindo.
sozinhas, te sentimos com alguma lágrimas e muita saudade.
tá tudo bem pai!
todo dia é um novo dia.
todo dia é um novo recomeço.
a dor vai virar uma saudade afável e gentil.
“lembra que o plano era ficarmos bem?”